SAAEURA-MG - Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de Uberaba e Região

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Dia da Consciência Negra é uma data de renúncia, diz professora.

29 Novembro 2019

O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro. Foi criado em 2003 como data incluída no calendário escolar, até ser oficialmente instituído em âmbito nacional mediante a Lei 12.519, de 10 de novembro de 2011, sendo feriado em cerca de mil cidades em todo o país e nos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro, por meio de decretos estaduais. Em estados que não aderiram à lei, a responsabilidade é de cada Câmara de Vereadores, que decide se haverá ou não o feriado no município. 

Em Uberaba foi criada a lei que instituiu o feriado municipal, mas, neste ano, por força de liminar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), os efeitos da legislação foram suspensos. O Sindicomércio requereu na Justiça o cancelamento do feriado, alegando prejuízos ao comércio, uma vez que o mês de novembro já conta com outros dois feriados: Finados e Proclamação da República.

A ocasião é dedicada à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos maiores líderes negros do Brasil, que lutou pela libertação do povo contra o sistema escravista. O Dia da Consciência Negra é considerado importante no reconhecimento dos descendentes africanos e da construção da sociedade brasileira. A data, entre outras coisas, suscita questões sobre racismo, discriminação, igualdade social, inclusão de negros na sociedade e a cultura afro-brasileira, assim como a promoção de fóruns, debates e outras atividades que valorizam a cultura africana.

No Brasil, é fato que existe uma grande diferença de oportunidades entre as pessoas de pele clara e os negros e pardos. Por exemplo, no mercado de trabalho, pretos e pardos enfrentam mais dificuldades na progressão da carreira, na igualdade salarial e são mais vulneráveis ao assédio moral, afirma o Ministério Público do Trabalho. Apenas em 2089, daqui a pelo menos 72 anos, brancos e negros terão renda equivalente no Brasil, considerando a atual evolução.

A projeção é da pesquisa “A distância que nos une – Um retrato das Desigualdades Brasileiras”, da ONG britânica Oxfam, dedicada a combater a pobreza e promover a justiça social no mundo. Em média, os brasileiros brancos ganhavam, em 2015, o dobro do que os negros: R$1.589 ante R$898 mensais. A crise e a onda de desemprego também atingiram com mais força a população negra brasileira: eles são 63,7% dos desocupados, o que corresponde a 8,3 milhões de pessoas. Com isso, a taxa de desocupação de pretos e pardos ficou em 14,6% – entre os trabalhadores brancos, o índice é menor: 9,9%.

De acordo com o Atlas da Violência 2017, a população negra também corresponde à maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídio. Atualmente, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. As mulheres negras também são mais vitimadas pela violência doméstica: 58,68%, de acordo com informações do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher, de 2015. Elas também são mais atingidas pela violência obstétrica (65,4%) e pela mortalidade materna (53,6%), de acordo com dados do Ministério da Saúde e da Fiocruz.

A professora/doutora Maria Cristina de Souza, coordenadora do Programa de Extensão de Temas Raciais, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), fala, em entrevista ao Jornal da Manhã, sobre a importância deste 20 de novembro e a luta dos negros pelo reconhecimento dos descendentes africanos e da construção da sociedade brasileira.



Jornal da Manhã – O "13 de Maio" simboliza a assinatura da Lei Áurea, que pôs fim à escravidão no Brasil. Muitas pessoas questionam o fato de que, se já existe essa data como um marco na luta pela inserção do negro na sociedade, qual o motivo de se criar o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro?

Maria Cristina de Souza – Essa data representa uma conquista do movimento negro. Essa questão, do dia de Zumbi dos Palmares, foi, na verdade, uma luta do movimento negro para marcar essa data, que representa todo o legado da luta de Zumbi pelo fim da escravatura. E quando se fala "Dia da Consciência Negra", estamos nos referindo a uma data que marca a luta do negro contra a escravidão e é, também, um dia de denúncia. Neste dia denunciamos a existência do racismo em nossa sociedade, a falta de igualdade e oportunidades para o negro em nossa sociedade. É um dia que vai nos proporcionar a oportunidade de um debate para esta causa. Não fosse o Dia da Consciência Negra, talvez não tivéssemos a oportunidade de debater esses assuntos. Ele é um marco que estabelece um grau de importância para o movimento negro como um todo. Aliás, ele não é um dia só para os negros, mas para todas as pessoas que têm uma consciência antirracista em nossa sociedade. 

JM – Conquista garantida em lei... Falando em lei, tivemos em Uberaba uma polêmica por conta da suspensão do feriado, que já era comemorado há mais de dez anos. Como o movimento negro recebeu essa iniciativa, uma vez que em pelo menos 1/5 dos municípios brasileiros a data é comemorada com feriado?

MCS – É bom ressaltar que não foram todos os municípios que suspenderam essa conquista. Uma questão interessante é que Minas Gerais é um dos estados no Brasil com grande população negra. E Uberaba também tem uma população negra muito grande. Então, essa falta de sensibilidade e essa luta para acabar com o feriado, para mim, significa denunciar uma certa intolerância. 

JM – Os negros chegaram ao Brasil em navios, atravessaram o oceano escravizados, nunca podemos deixar de lembrar. Concentraram-se inicialmente no litoral, depois os bandeirantes levaram esses escravos ao interior, notadamente para a extração do ouro e trabalho nas lavouras de café; isso em Minas Gerais e São Paulo, respectivamente. Mas o que a gente percebe é que hoje os negros estão espalhados pelos diversos cantos do Brasil...

MCS - Temos negros no Brasil inteiro. E o Brasil precisa fazer justiça social com os negros. Nós ressaltamos alguns estados como Minas Gerais e outros do Nordeste, mas a população negra no Brasil é muito grande. 

JM – Foi divulgado recentemente que, pela primeira vez, há mais pretos e pardos no ensino superior público do Brasil do que brancos. Os dados, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), são de 2018 e apontam 50,3% de pretos e pardos nas universidades públicas brasileiras. Já brancos e outros compõem 49,7% do total. Mas, há uma preocupação com esses dados, pois eles poderiam levar a uma espécie de afrouxamento nas políticas públicas de igualdade, uma vez que se poderia imaginar que elas já teriam cumprido o seu papel. Como o movimento negro encara essa situação?

MCS – Olha, eu não tenho autoridade para falar enquanto movimento negro. Então, vou tratar dessa questão sob meu ponto de vista pessoal. Eu sou professora universitária. E na própria universidade nós vemos, desde as políticas afirmativas, um número maior de negros. Não acredito que os negros sejam maioria. Como estamos vivendo um momento de retração nos direitos [sociais], temos que ser muito cuidadosos. Nos cursos mais disputados, como Medicina e Direito, nós vemos lá uma maioria de alunos negros? Ou será que a divulgação dessa informação não tem como objetivo acabar com as cotas raciais nas universidades? As pessoas gostam muito de falar por indicador. Aí, pega-se o indicador e generaliza. E fica parecendo que esse indicador abrange a todos dentro de uma sociedade. Acredito que o movimento negro precisa debruçar sobre esse dado. 

JM – Desde a criação do sistema de cotas nas universidades, ele é muito questionado... Por que há necessidade desse tipo de política pública?

MCS – As políticas afirmativas existem para se transformar em um instrumento de igualdade de oportunidade. O Brasil é um país com grande população negra, mas nós não a vemos ocupar espaço, por exemplo, em áreas da Medicina, Arquitetura e Odontologia. Por outro lado, quantas pessoas que trabalham na coleta de lixo, empregadas domésticas, que são negras? 

JM – Profissões que exigiriam menos qualificação?

MCS – Menos qualificação e com menor salário. Essa é a questão mais importante. É uma questão de subalternidade nos valores a serem pagos pelos serviços prestados. Podemos assegurar que existe falta de oportunidade aos negros em alguns postos na sociedade. Para se fazer uma reparação, o que fazemos? São criadas as chamadas políticas afirmativas.

Entre essas políticas está o sistema de cotas, que passou a vigorar em 2012 e vai até 2022. Justamente para fazer um trabalho de igualdade de oportunidade. É fazer com que o negro tenha acesso à universidade. Se não tivermos políticas afirmativas, a questão da desigualdade entre brancos e negros, mesmo levando-se em consideração os brancos pobres, levaria muitos anos para acabar. É bom lembrar que existem também políticas afirmativas para mulheres, para alunos oriundos de escolas públicas, para jovens. Então, a política afirmativa é um instrumento para melhorar as oportunidades existentes. 


JM – O jornalista Márcio Gennari faz a seguinte comparação sobre as políticas de cotas. Em uma disputa entre dois automóveis, um deles está com o tanque cheio de combustível; o outro tem o tanque quase vazio. A política de cotas vem assegurar que durante a corrida esse automóvel que ficou para trás por conta da falta de combustível receba esse mesmo combustível para tentar alcançar o outro veículo que já está à frente...

MCS – Exatamente! É tornar de fato a meritocracia. 

JM – É dar ao pobre e ao negro a oportunidade que lhes foi negada ao longo de nossa história?

MCS – Em relação ao negro, nós já tivemos leis que o impediam de estudar. Essa relação de igualdade e oportunidade ainda não acontece em pleno século 21, em pleno 3º milênio. O que aconteceu? Vamos reverter essa situação em meio às teorias que já foram de marginalização dos próprios indivíduos? 

JM – Na semana passada, o jogador da seleção holandesa Wijnaldum marcou um gol para sua equipe e, na comemoração, ele se juntou ao colega de time Frenkie de Jong e realizaram manifestação contra o racismo. Os jogadores foram até a beira do campo, uniram-se os braços e indicaram que, apesar de distintos, os tons de pele não representam nenhuma diferença. Lamentavelmente, o futebol, especialmente na Europa, tem protagonizado muitas cenas de racismo...

MCS – Essas situações extremas de racismo, especialmente no futebol, chamam muito a atenção da imprensa. Então, esses atos de denúncia são muito importantes. Ainda nos deixam bastante estarrecidos essas situações de separação e segregação. No Brasil existe uma questão chamada de racismo estrutural. Quer dizer, é uma coisa que está na base da sociedade. E muitas vezes não é verbalizado, mas faz com que exista a situação institucional, que dificulta os espaços de igualdade dentro da sociedade. 

JM – O deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP) quebrou uma placa em exposição na Câmara Federal que exibia o desenho de um policial com revólver na mão e um jovem caído ao chão com o título: "O genocídio da população negra". E ele ainda disse que o tráfico absorve uma boa parte das pessoas que moram nas comunidades, e a maioria dessas pessoas é de origem negra. Como encara essa situação?

MCS – Essa questão é assustadora. Afinal, um deputado chega ao Congresso Nacional respaldado pelos votos de milhares de eleitores. E ele, no papel de parlamentar, precisa pensar bem sobre o seu papel na sociedade. Quem ele representa? Ele precisa respeitar essa luta, essa causa da população negra. Passa-se a sensação de que ele pode tudo, mas não pode. A tolerância com o racismo tem que ser zero.

Posição do Sindicomércio sobre o feriado. Sobre a suspensão do feriado no Dia da Consciência Negra em Uberaba, o presidente do Sindicomércio local, Marcelo Árabe, já se manifestou, dizendo-se favorável à homenagem que a data representa para a comunidade negra. Entretanto, como a entidade atua em defesa dos empresários, ele avalia que a quantidade de feriados em novembro na cidade representa perdas, já que o empresariado tem um grande déficit em vendas e mais gastos neste período, como o 13º salário.

Por: JM Online